Células Tronco
Prof.
José Roberto Goldim
As
novas pesquisas com células tronco, ou também denominadas de células-mãe,
têm despertado um grande debate. O primeiro relato de pesquisa em células
tronco utilizando células embrionárias humanas foi publicado em 1998
pela equipe do Prof. James A. Thomson, da Universidade de Wisconsin/EUA.
Vários
segmentos da população tem assumido uma posição contrária a este tipo
de pesquisas, pois afirmam que o bem da sociedade não pode ser obtido
a partir da morte de alguns indivíduos, mesmo que ainda em fase embrionária.
A Igreja Católica Romana tem defendido esta posição, igualmente aceita
por muitos cientistas e filósofos não vinculados a ela, de que a vida
de uma pessoa tem início na fecundação, desta forma não há justificativa
eticamente adequada para tal tipo de pesquisa. A Igreja da Escócia,
de orientação cristã protestante, também defende esta mesma posição,
mas aceita, desde 1996, a realização de pesquisas com embriões, desde
tenha por objetivo solucionar situações de infertilidade ou decorrentes
de doenças genéticas. Este posicionamento de defender o primado do indivíduo
sobre a sociedade remonta a Claude Bernard, que afirmou em 1852, que:
O
princípio da moralidade médica e cirúrgica é nunca realizar um experimento
no ser humano que possa causar-lhe dano, de qualquer magnitude, ainda
que o resultado seja altamente vantajoso para a sociedade.
O
potencial de aplicações médicas desta nova fronteira de conhecimento
- a utilização de células tronco para produzirem materiais biológicos
- tem sido utilizado como justificativa moral para esta prática. Os
que defendem a realização de pesquisas com células tronco embrionárias
humanas utilizam o raciocínio moral de que um bem social, que será útil
para muitas pessoas que sofrem de doenças hoje incuráveis, se sobrepõe
ao de um indivíduo. Ainda mais quando este indivíduo é um embrião em
fases iniciais. Muitas pessoas não reconhecem o status de indivíduo
para os embriões em estágios iniciais, tanto que utilizam a denominação
de pré-embrião, que foi proposta no Relatório Warnock, em 1984. Várias
personalidades do meio político, artístico e científico tem se posicionado
neste sentido. O Prof. Paul Berg, criador da técnica do DNA recombinante
e propositor da moratória de pesquisas de Asilomar, única que efetivamente
teve seu resultado atingido, defende a idéia de que os embriões congelados
e não utilizados para fins reprodutivos, quando atingirem o limite de
sua validade de uso legal devem servir como material para pesquisas.
Esta posição, de que o bem da sociedade pode estar acima do individual
já havia sido proposta por Charles Nicolle, que foi diretor do Instituto
Pasteur, na Tunísia. Uma citação utilizada por Tereza R. Vieira exemplifica
esta posição:
A
consciência humana, as leis, a humanidade, a consciência dos médicos
condenam a experimentação no homem, mas ... ela é sempre feita, se faz
e se fará por ser indispensável ao progresso da ciência médica para
o bem da humanidade.
O impedimento de utilizar embriões neste tipo de pesquisa não inviabiliza
a investigação do uso de células tronco pasra fins terapêuticos. As
células tronco, ou stem cells, podem ser obtidas de outras fontes que
não embriões. Em experimentos animais já foi possível obter células
diferenciadas de fígado. Estas pesquisas também podem ser realizadas
com células obtidas a partir da medula óssea humana ou de células de
cordão umbilical. O argumento utilizado é que a s células embrionárias
são mais promissoras.
Em agosto de 2000, o Reino Unido aprovou a realização destas pesquisas
em embriões. As regras norte-americanas atuais são mais restritivas
que as britânicas, contendo, inclusive, algumas incoerências morais.
Uma delas é a de permitir o uso de células embrionárias provenientes
de embriões produzidos especificamente para este fim, desde que as mesmas
sejam retiradas em laboratórios sem subvenção federal norte-americana.
Esta posição repete a já ocorrida anteriormente na década de 1970, quando
foi proibida a utilização de recursos federais para pesquisas em embriões
visando a reprodução assistida. Esta proibição não impediu a realização
de pesquisas nesta área e forçou a migração de pesquisadores para laboratórios
privados e para o exterior. A proposta preliminar destas diretrizes
foram discutidas com a população norte-americana desde dezembro de 1999.
A Igreja Católica reiterou a sua condenação para tal tipo de liberação,
considerando estas pesquisas como "ilícitas".
Ao
longo de 2001 foram publicados vários artigos em diferentes periódicos
leigos e de divulgação científica defendendo e negando a pesquisa em
células tronco embrionárias. Na revista Correio da UNESCO foi publicado
um artigo sobre o tema com uma grande preocupação sobre a possibilidade
de envolvimento econômico na obtenção de gametas e embriões para a produção
de células tronco. A revista TIME, de 25 de junho de 2001, publicou
um artigo defendendo a pesquisa em células tronco embrionárias, assim
como o New York Times, que dedicou um editorial neste sentido em 15
de julho de 2001.
A
surpresa foi a publicação de um artigo científico em julho de 2001,
na revista Fertility and Sterility, apresentando os resultados de uma
pesquisa com células tronco embrionários realizada com óvulos e espermatozóides
obtidos para fins não reprodutivos. Os pesquisadores pagaram US$1.000,00
para as mulheres que cederam seus óvulos e US$50,00 para os homens que
cederam espermatozóides. O investigador principal Gary Hodgen já havia
abandonado o Instituto Nacional de Saúde dos EUA, quando houve a proibição
para pesquisa em embriões para fins reprodutivos, indo trabalhar no
Jones Institute for Reproductive Medicine, vinculado a Eastern Virginia
Medical School, em Norfolk, Virginia/EUA. O Prof. Hodgen, a exemplo
do Prof. Thomson, já publicou 351 artigos na área de reprodução humana
e de primatas desde 1967.
Esta
pesquisa, que evidencia que a barreira da produção de embriões sem finalidade
reprodutiva para produzir células tronco foi rompida, inclusive com
a remuneração pela cessão dos gametas necessários. A ossibilidade de
que as células geradas tenham sido produzidas por partenogênese só agrega
mais pontos de discussão e não atenua a situação. Isto demonstra claramente
o efeito slippery slope. Pequenas concessões podem gerar conseqüências
imprevisíveis.
Na
Austrália está para ser aprovada uma lei que propõe apenas a utilização
de células embrionários oriundas de embriões gerados para fins reprodutivos
antes de 5 de abril de 2002 e não utilizados. Será proibida a clonagem
terapêutica e reprodutiva, assim como a geração de quimeras humanas
ou a produção de embriões com material genético oriundo de mais de duas
pessoas.
Várias
questões éticas permanecem na área da pesquisa em células tronco embrionárias: